Não conheço escalador que não tenha uma história de "cair na última agarra". Uma parte destes (a qual também fiz parte) têm uma história de "amor e ódio" com alguma via, não importando a graduação, em que a cadena parecia tão perto e tão longe.
Realmente existem vias que são o nosso Karma. Que nos tiram o sono, e abalam por completo a nossa auto-estima. Tudo isso é retratado com maestria no filme E9. Se não assistiu, assita, é uma lição de perseverança a qualquer escalador (agradeço ao Fred Viana por ter me mostrado o filme que tinha, confesso, preguiça de ver)
O texto abaixo, é uma injeção de moral em quem está deixando de gastar um último kgf de força para aquela cadena.
Por que desisto?
Essa é uma questão que surge com muita freqüência no meu consultório e em conversas com amigos.
Todos querem saber por que não conseguem levar adiante planos e ações. Começam e param no meio do caminho ou simplesmente fogem de qualquer tentativa.
Infelizmente não há uma resposta única. Cada caso é um universo, uma história diferente. Existem muitos motivos, mas basicamente todos possuem um mesmo agravante: o medo de se expor, de colocar em xeque suas dificuldades interiores.
Há os que temem críticas e julgamentos; os que fogem de confrontar suas dificuldades; os que não acreditam na própria capacidade e os que têm medo de competir. Existem aqueles que não querem subir por medo de cair, os que acreditam não ser merecedores e os que precisam continuar como vítimas.
Como podemos notar, os motivos são os mais variados, mas o medo é sempre a constante.
Uma boa dose de medo é necessária para garantir a sobrevivência, porém algumas vezes ele extrapola e passa a tolher, a limitar as nossas ações, tornando-se irracional e ceifando nossas idéias e ideais.
Eu disse algumas vezes, mas na verdade esse tipo de medo é mais comum do que se imagina.
Quem já não desejou que algo importante não acontecesse para não ter que se expor?
Vejamos: estamos desempregados há mais de um ano. Depois de várias tentativas nos damos por vencidos e passamos a crer que não temos talento para coisa alguma.
De repente um amigo nos procura com uma oferta de emprego. Entramos em contato, com o coração apertado, com muito medo de não conseguirmos. Depois de todos os testes e entrevistas somos contratados e iniciaremos dentro de três dias. Ficamos em cólicas. Nossos pensamentos giram em torno de todos os percalços que poderão nos fazer perder a vaga.
Pensamos que o relógio não vai despertar e chegaremos atrasados no primeiro dia, que o carro vai quebrar, que faremos tudo errado... enfim, só pensamentos negativos.
Por quê? Porque ficamos com medo de que dê certo. Um paradoxo, eu sei. Mas é assim que muitos de nós vivenciamos as oportunidades.
Com medo.
Diante desse inimigo que nós mesmos alimentamos, procuramos um lugar seguro dentro do anonimato, da perda, da desistência.
Eu quero fazer análise, mas não consigo continuar, me dá preguiça, não consigo ver melhora. Na segunda ou terceira consulta? É preguiça ou medo de mudar?
O que implicaria essa mudança? O que implicaria continuar um determinado projeto?
São perguntas que devemos nos fazer quando a vontade de parar, de desistir nos invade.
Não me refiro àquela situação em que o indivíduo tenta por anos a fio realizar uma tarefa sem conseguir. É claro que nesse caso se faz necessário uma avaliação de objetivos. Questionar-se quanto a real importância daquilo que se vem tentando fazer.
O problema é quando vamos deixando para amanhã, postergando nossos sonhos por medo de não conseguir levá-lo adiante ou por não saber como agir diante do sucesso.
Conheço pessoas que não conseguem ser promovidas na empresa em que trabalham simplesmente porque se escondem, não permitem ser notadas. Acreditam realmente que se permanecerem na mesma função jamais serão despedidas, todavia a idéia de promoção traz também o receio de não se sair bem e ser dispensado. Para não arriscar-se aposenta na mesma função em que começou a trabalhar.
Geralmente essas pessoas são amargas, pessimistas, invejosas.
O medo e a inveja estão sempre muito próximos. É verdade! Quando não conseguimos atravessar uma ponte pênsil por causa do medo de altura, ficamos do lado de cá invejando quem está do outro lado e por vezes o criticamos por não ter ficado conosco. Não avançamos e queremos reter o outro, o que nos leva a entender que além de inveja o medo irracional causa também o egoísmo.
Isso não nos torna monstros terríveis, não somos um perigo social porque o mal que fazemos atinge mais a nós mesmos, nos sufoca e impede o nosso crescimento pessoal.
Inventamos mil desculpas para não continuar, criamos empecilhos e se somos obrigados a ir até o fim, ficamos torcendo para que algo dê errado e confirme nossas previsões.
Querem um exemplo? João (nome fictício) queria montar seu próprio negócio, uma loja de artigos esportivos. Trabalhou no ramo durante anos sem coragem para realizar o seu sonho. Com a reciclagem de funcionários, perdeu o emprego e pensou na possibilidade de por seu projeto em prática.
Os dias passavam sem que João fizesse alguma coisa. Tinha sempre uma desculpa pronta, argumentava bem e nada de começar. Pensava consigo mesmo: "E se eu gastar meu último dinheirinho num negócio que nem sei se vai dar certo? Vou esperar mais um pouco..."
A esposa dele resolveu intervir e acelerar o processo. João não teve saída, montou a loja e todos os dias ao abri-la pensava que poderia não ter clientes, que poderia ser assaltado, que uma crise no comércio poderia levá-lo a banca rota. Em parte seus pensamentos iam se tornando realidade. Realmente a loja vivia vazia, ninguém entrava para comprar.
Os preços e os artigos eram bons, mas João tinha um inimigo: o dono da loja. Aquele camarada que ficava sentado atrás do balcão com um semblante desanimado, que atendia os raros clientes com impaciência. No fundo ele não queria que o cliente aparecesse, não queria que a loja rendesse lucros.
Abria a loja olhando o relógio e contando as horas que faltavam para o encerramento das atividades. Ele tinha medo!
Medo de ser bem sucedido, de perder depois, de ficar exposto ao olhar do outro. Assim como o João, nós também nos boicotamos em diversos momentos de nossas vidas.
Rezamos para aquele rapaz bonito que ficamos meses paquerando não aparecer ao encontro porque não saberíamos o que fazer depois, medo da concorrência.
Tem ainda o caso daquele funcionário que, sabendo que o chefe estava de olho nele para uma possível mudança de setor, com maior notoriedade e salário mais alto, ele passa a faltar, a fazer um trabalho medíocre, a ir ao banheiro cada vez que o chefe entra na sala. Não dá ao superior oportunidade de lhe falar. Quer a mudança, só não pode evitar o medo.
É pelo medo que desistimos de vencer, conquistar, alcançar, abraçar, amar...
E você, conhece alguém assim?
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